terça-feira, 11 de janeiro de 2011

DIGRESSÕES ACERCA DA COMPREENSÃO

Diz-se que a Psicologia Analítica é uma psicologia de compreensão, diferente de outras psicologias como a Psicanálise e das ciências tradicionais que são abordagens baseadas na explicação. Quem estabeleceu esta diferença foi o filósofo alemão Wilhelm Dilthey (1822-1911), o grande teórico na luta pela libertação metodológica das ciências humanas do modelo de ciência praticada na virada dos seculos XIX e XX. Para isso, Dilthey desenvolveu argumentação baseada na diferenças de fundamentos epistemológicos do conhecimento científico tradicional: causalismo, típico das ciências fisicas e biológicas e o finalismo ou teleologismo, próprio das humanidades. Essas últimas, mais do que causas, buscam o significado dos fenomenos psicológicos, sociais e culturais. A Psicologia Analítica, fundamentada no mundo arquetípico e simbólico, segue predominantemente o modelo da compreensão.

Como se daria a busca do significado?

Um dos caminhos é a pesquisa etimológica. Seguindo os passos de R.A. Lockhart observamos o que se encerra no interior de uma palavra, 'o significado e definição usual é muito frequentemente só a casca de uma palavra; nós as usamos mas não conhecemos a sua alma. Somos todos abusadores verbais. Aquilo que possa ajudar a nos libertar da prisão do significado atual, da literalidade e velocidade do momento, nos ajudará a libertar a psique da sua casca aprisionante'.

Nas escavações arqueológicas das palavras encontramos em suas raizes significados originais e ocultos, descobrimos o seu 'inconsciente'.

Vejamos o vocábulo explicação; tem origem latina sendo formado pelo prefixo ex (com idéia de saída, de conclusão, acabamento) e o verbo plicare (dobrar, enroscar) gerando explicatio. Nos dicionários encontramos as acepções:


1. ação de desdobrar, desenrolar, estender, desenfardar.

2. esclarecimento e interpretação.

3. ato de expor pormenorizadamente, narrando.

4. desembaraçar, livrar, acabar, terminar, concluir.


Aqui podemos observar que a noção de que as causas elementares já se encontram presentes no fenomeno, enroladas, dobradas , enfardadas ou embaraçadas e assim sendo, necessitam serem abertas, expostas. Desta maneira, as causas são identificaveis e definidas como geradoras e responsáveis pela ocorrência do evento, ou seja, seus efeitos ficam completamente esclarecidos pelo encadeamento causal. A explicação funciona muito para esclarecer e determinar com competência as causas e os efeitos obtidos. Este é o meio preferencial adotado pelo método científico clássico.

O conhecimento obtido nas ciências da compreensão não é assegurado pelos nexos causais uma vez que não são suficientes para elucidar o fenomeno humano; neste ambito, há interferencia de um emaranhado de possibilidades misteriosas que necessitam mais do que causas, necessitam de significados para que tudo se esclareça. Responde mais a perguntas do tipo 'para quê' do que 'porquê'.

Continuando com a arqueologia etimológica, encontramos as raízes de compreensão no mundo latino onde é formada pelo prefixo com mais o verbo prehender ou praehendere, formando comprehendere ou compraendere que significa:

1. agarrar com as mãos, prender, tomar, apoderar-se, pegar.

2. apanhar em flagrante, surpreender.

3. tomar pela raiz, tomar pela base.

4. conceber um filho.

A compreensão envolve assim um agarrar psiquico, ora lento, juntando, fazendo conexões, ora surpreendendo, apoderando-se de qualidades psíquicas como um todo, atando, sintetizando, aglutinando, chegando às raízes, buscando o insight.

No contexto analítico, onde a atmosfera é contagiante, mesclada, misturada, envolvente, constela baixa discriminação. Fatores emocionais e irracionais que nos fazem refletir sobre a dificuldade na busca da compreensão do psíquico/social/cultural, onde o arquétipo atinge. O processo transferencial é outro fator interveniente no processo analítico. Jung nos fala da compreensão dentro do movimento de empatia profunda, captação da subjetividade do outro, busca dos fatores inconscientes no paciente e através da percepção transferencial em nós mesmos, em nosso corpo e nossa fantasia.

Compreensão exige muito aprofundamento em busca do desvendamento do inconsciente que possa trazer benefício para a consciência humana. Na Psicologia Analítica a predominância absoluta é da compreensão, donde pululam analogias, mas não nos esqueçamos que Jung utilizou extensivamente a explicação em suas argumentações empiricas ou teóricas, muitas delas de carater persuasivo.

(derivado de apresentação em sessão de temas livres em congresso da AJB)

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