quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O ENIGMA DE ANTONIO

- Alô. Quem é? Quem? Ant... Antonio? Que Antonio?
Do outro lado da linha uma voz firme, inteiramente desconhecida, diz que me conhecia e como me achou.
- ...ai eu lembrei do seu sobrenome, coloquei na ferramenta de busca e então pam!
Maravilhas da informática. Internet.
- Achei você, cara! Que bom falar contigo! Paulinho, Oh Paulinho! Parecia sinceramente muito alegre.
- Lembra de mim? É o Antonio, porra!
Atônito, ainda em dúvida:
- Claro, Claro. Lembro sim... Quer dizer... Você era o Toninho?
Havia lembrado. Incrível; era ele mesmo.
- Toninho, quer dizer, Antonio, há quanto tempo, heim? 1965, 66... Estudamos juntos no Artur de Azevedo!
Sinto um misto de perplexidade e alguma alegria; tudo familiar e ao mesmo tempo desconhecido. O passado distante de repente entrava no presente. Apreensivo, levo os dedos à boca e nervoso mordisco a unha mas não consigo roê-la como fazia antigamente; hábito antigo do qual ficou somente o rastro.
- Lógico que sim, Antonio. Claro que sim... vamos... vamos combinar sim. Vai ser muito bom. Ainda pergunto de outros amigos da época cujos nomes ainda me lembrava. – ... E o Drauzio, o Caveira, Silvinha, Pedrão...
A conversa foi decaindo naturalmente e o impacto inicial, passando...
- Então Paulinho, a gente se reune de vez em quando para matar a saudade... Vamos te chamar, ok?
Concordo mas no fundo sei que dificilmente irei.
- Fique com os meus telefones, Antonio. E-mail também. Ah, sim; anote aí.
Enquanto ele procura uma caneta para fazer as anotações volto a ser invadido pelo sentimento de perplexidade. Oh Toninho!
- Eu te passo meus dados por e-mail, ok Paulinho?
- Ok Antonio, foi um prazer! Vou, vamos sim. Está bem. Tchau. A gente se vê...
Como pode? Durante mais de vinte anos venho acreditando numa verdade que simplesmente não existe: alguém havia me dito que o Antonio tinha morrido de câncer ainda adolescente, logo após eu ter saído do bairro.
Algum tempo depois, contrariando as minhas previsões, acabei indo a tal reunião com o pessoal do colégio e ali reencontrei alguns do meus colegas e naturalmente o Antonio. Relembramos muitas coisas escondidas atrás de uma penumbra de mais 30 anos, regadas com cerveja e salgadinhos gordurosos e pude constatar o efeito inexorável do tempo: todos envelhecidos, calvos, flácidos, barrigudos, irreconheciveis, salvo raras exceções. Antonio e eu acabamos saindo juntos da festa e fomos caminhando lado a lado até os nossos carros estacionados na rua, tempo suficiente para que Antonio abrisse o seu coração e me contasse uma história intrigante.
- ...Rapaz! Era demais. Imagine: Rio de Janeiro, aquelas praias, aquela beleza de cidade. Mulheres lindas. Foi aí que conheci Branca numa festa na casa de uns amigos que moram lá no Leblon. Foi tesão à primeira vista!
Ouvia-o avidamente. Ele estava empolgadíssimo com sua aventura. Estava bastante alterado pela bebida, rosto avermelhado e resolvemos parar na padaria para um café e ali mesmo continuou sua narrativa.
_ ...Olha!, a Branca era um encanto. Acabamos nos envolvendo. Foi uma loucura! O tempo que passei lá aproveitamos muito: praia, cerveja, música... muita música e muito sexo: dormimos juntos todas as noites. Uma delícia!
Foram duas semanas e meia de amor! Ria satisfeito fazendo referência ao ‘9 e ½ semanas de amor’. Depois de um pausa, cabisbaixo, conformado:
- Mas como tudo na vida, o que começa um dia acaba, meu companheiro: tinha chegado a hora de voltar pra casa. Você quer um cinzeiro, Paulinho? ao ver-me acender um cigarro. Espere aí um pouco... Pronto, tá na mão... Bom, onde parei. Ah! Na volta para casa. Foi bem legal, sabe? teve aquela coisa de despedida, aquela delicadeza no aeroporto, beijinhos, abraços apertados, tchauzinhos e sorrisos sinceros.
O tempo passou e tudo ficou para trás; casei duas vezes, tive filhos, mas nunca, juro por Deus!, nunca me esqueci da Branca. Sabe, era algo especial... Ele estava tentando entender sem entender nada.
- Era algo diferente, Paulinho. Não sei explicar. Quimica, paixão... Sei lá, só sei que Branca era um tormento. Que mulher! Sonhava.. inconformado. Após silêncio de instantes, suspira e meneia a cabeça retomando o fio da conversa..
- Várias e várias vezes eu cheguei a me masturbar imaginando estar com ela... Agora, escuta bem: presta atenção! Agora... Açúcar ou adoçante? Interrompe-se.
- Adoçante, Antonio. Isso, três gotas. Está bom, obrigado. Bom, e daí? Conta o resto!
- Bom, deixa eu ver? Ah!, lembrei! Eu vivia mal com minha mulher, sabe como é... bem, a verdade é que a imagem da Branca nunca saiu da minha cabeça. Aí me deu a louca e eu resolvi ir atrás dela. Eu andava muito descontrolado, precisava sair, esfriar a cabeça. Chego lá. Estou eu no Rio atrás dela. Eu sabia que Branca tinha uma loja fina de roupas femininas ali na rua Nossa Senhora de Copacabana. Chego ansioso e quase sem fôlego e vou perguntando para a primeira atendente que vejo:
- Por favor, por favor, eu gostaria de falar com a Branca.
- O senhor quer falar com a dona Bruna?
- Não, não. Branca. Ante ao olhar surpreso da atendente, continuei: A Branca... A dona da loja... Bran-ca, soletrei.
- O senhor quer falar com a dona Bruna?
- Não, não. Branca. Ante ao olhar surpreso da atendente, continuei: A Branca... A dona da loja... Bran-ca, soletrei.
- O senhor... o senhor. Acho que o senhor não sabe... A loja agora é da dona Bruna, meu senhor. A dona Branca era irmã dela; faleceu de câncer há muitos anos atrás.
Olho para Antonio: ele está calado e triste; o seu olhar está perdido no infinito. Esse átimo parece uma eternidade. Acabamos o café e nos despedimos com um abraço apertado e longo. Vou pensando no enigma que envolve Antonio com a morte. Ele jamais soube que eu o tinha como morto durante anos.