quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Incursão Junguiana pela Alma Institucional

Acací de Alcantara
Rubens Bragarnich

Introdução

Nosso objetivo é apresentar os resultados da utilização de um modelo experimental de intervenção institucional desenvolvido a partir da atitude clínica junguiana em uma entidade associativa de Psicologia de São Paulo.
Como é sabido Jung não atribuía valor significativo ao trabalho psicológico de/com grupo ou instituição, gerando uma atitude de alinhamento automático dos profissionais da Psicologia Analítica nesta direção. Certamente esta posição se devia a sua preocupação com os processos coletivos de achatamento da consciência do tipo identificação com o grupo, participation mystique, abaissement de niveau mental onde a condição grupal pudesse restringir o florescimento e desenvolvimento da consciência individual. (Jung,2000ª) Este ponto de vista tem sido corroborado pela esmagadora maioria dos junguianos e questionado por poucos como Whitmont E., Samuels A. e M-L Von Franz (Mendes,2005).
Desta forma foi uma pequena ousadia iniciarmos um trabalho experimental com a alma de uma instituição, com todo o cuidado e rigor possível que a nossa experiência clínica pudesse oferecer, utilizando as reuniões mensais dos membros desta entidade como campo de observação e intervenção, como continente para a revelação do inconsciente profundo da instituição.

Método

Inicialmente é preciso esclarecer o que entendemos por atitude clínica: é a predisposição ou configuração psicológica cognitiva, afetiva, conceitual e corporal, com determinadas sensibilidades apuradas, e que estrutura basicamente aquele conjunto que se reconhece como a praxis junguiana. Enfatizamos também que o vocábulo clínica refere-se àquela postura derivada a partir de sua fonte etimológica original grega que salienta o (Klisis, eos) inclinar-se sobre (Kliné,s) o leito de alguém para ouvirmos a sua dor e o seu sofrimento ( Houaiss, 2001 e Torrinha,1942).
Através desta atitude nos foi possível a criação de um vaso clínico visando a pesquisa, a compreensão e a conscientização das revelações do inconsciente da entidade através dos fenômenos grupais, atentos as suas várias expressões, ao seu sofrimento, as suas dificuldades, aos significados psicológicos de suas disfunções e às alterações da energética anímica, ou seja, as flutuações em sua vitalidade.
A abordagem foi eminentemente experimental, dada a carência de referências na literatura da Psicologia Analítica; evidentemente assumimos a nossa subjetividade e quadro mentais junguianos uma vez que teria sido impossível nos livrarmos do viés clínico, analítico e simbólico. Tivemos a preocupação com o uso parcimonioso da linguagem o menos possível conceitual e não houve qualquer tentativa de adaptar ferramentas de intervenção institucional ou de recursos técnicos de manejo grupal ao nosso trabalho.
A adoção do modelo clínico como um méthodos grego, isto é, como pesquisa ou busca, foi se mostrando suficiente e eficaz ao longo do caminho do trabalho, o que nos incentivava a continuar (Houaiss,2001).
A nossa conduta seguiu as condições não-diretivas, a escuta e o olhar clínico peculiares ao modo junguiano e as nossas intervenções se direcionaram em busca de evidenciar, pontuar e compreender a atividade do inconsciente institucional.

Queixas

A busca da nossa ajuda se deu através do contato inicial de um membro da diretoria, que formulou a queixa, posteriormente confirmada em reunião com todo o corpo diretivo da instituição.
Foram identificados graves distúrbios interpessoais que dificultavam o funcionamento geral da entidade, pulverizando-a em subgrupos conflitantes. Estes pequenos grupos se consumiam em conflitos, competição acirrada, luta pelo poder sob a égide de lideranças personalistas, colocando a existência da própria instituição em risco.
A atmosfera institucional era tensa e persecutória, eivada de ataques virulentos, desqualificações (ironias, sarcasmos, zombarias etc.), com redução generalizada da empatia cognitiva; havia constante irrupção de rumores maledicentes entre os pares, bem como uma estranha atitude devoradora para com os alunos e candidatos a membros.
A entidade, embora gozasse de ótima reputação pelas instituições da área de psicoterapia de grupo e similares, padecia de certa obscuridade na comunidade psicológica para a qual é prestadora de curso de formação e supervisão bem como com público potencialmente usuário do serviço clínico; internamente sofria de um sentimento de inferioridade e se encontrava num estado tácito de estagnação institucional.
Havia uma fissura na identidade institucional cujas vertentes conflitantes se estruturavam entre a necessidade de uma profissionalização plena vista como árida e impessoal e a perda de toda possibilidade de grupo de amigos e do prazer da convivência interpessoal.

Características da Instituição

Centro de formação e de trabalho em Psicologia de Grupo, formada por psicólogos e psiquiatras em sua maioria especialistas em psicoterapia de grupo e configurações vinculares. A base teórica é de orientação psicanalítica das mais variadas correntes. Nasceu como dissidência de outra instituição se estabelecendo em São Paulo há muitos anos. É prestadora de serviços de psicoterapia de grupo e grupoterapia e oferece um curso de formação para terapeutas de grupo com 5 anos de duração. Atualmente encontra-se em processo de reconhecimento pelo CFP.
É filiada a entidade paulista, nacional e latino-americana de terapia de grupo, realizando e participando periodicamente de workshops, seminários, congressos etc.
É composta por um núcleo central formado na época por duas dezenas de membros efetivos e alguns poucos alunos e candidatos a membro. Edita um periódico semestral que veicula as idéias e ideais da instituição. Somente os membros efetivos estão autorizados a participar do Grupo de Reflexão mensal.
Contrato
A freqüência foi estabelecida em encontros mensais de 1:30 horas de duração com os membros da entidade, na modalidade “Grupo de Reflexão”, para discussão de assuntos institucionais. A nossa intervenção teve início em junho de 2004 atingindo o inicio de 2007. Os honorários foram estipulados com base nos valores de hora clínica.
Foi esclarecida a nossa condição de psicólogos de formação junguiana, como também foi explicitada a nossa inexperiência em trabalhos com grupos.
Combinamos uma garantia mínima inicial de continuidade de 3 meses renováveis seqüencialmente.

A freqüência dos integrantes das reuniões era flutuante uma vez que não havia a obrigatoriedade de presença.

Construção do Método

Observamos a construção paulatina do vaso clínico através da ativação da psique institucional na situação mensal de grupo, equivalente ao que se estrutura em uma sessão clínica em consultório.
Durante os encontros, tentamos eleger intuitivamente critérios, referências, processos e padrões anímicos a serem observados através da dinâmica grupal; assim perscrutávamos constantemente as atmosferas, os mitologemas vivenciados, as regências arquetípicas consteladas, o material encoberto em cada participação, em cada conflito, cada ataque, em cada abraço e assim por diante, abertos que estávamos a compreensão das dinâmicas psicológicas em seus diversos níveis.
Procuramos identificar e elaborar em grupo os símbolos que emergiam nas diversas situações grupais, trazendo-os à conscientização e à reflexão de todos, dando plenas condições para que houvesse oportunidade equânime de participação.
Certamente devido a nossa formação clínica tivemos o especial cuidado constante com grau de sofrimento e de exposição relativa dos participantes dentro das características de personalidade e tipologias de cada um de nós.
Foi significativa a necessidade de todos se reencontrarem com a gênese e a trajetória histórica da entidade, desvelando aí o seu mito fundacional e a sua vocacional; os membros se dedicaram a construção da “árvore genealógica” da entidade e de seus membros fundadores, trazendo à memória os formadores das gerações anteriores. Sentimos que traçar as redes que vinculam a entidade à história da própria Psicologia e da Psicanálise no Brasil foi como descobrir o fio histórico e de amparo que atribui sentido e legitimidade a existência da instituição.
Foram explicitados conflitos na identidade institucional que apontam para a dificuldade de funcionamento psicológico dentro do âmbito do arquétipo do pai; isso se expressa nas lutas internas pelo poder, na oposição entre verticalidade e horizontalidade das relações interpessoais, na discussão da hierarquia e da burocracia e, finalmente, no esforço na busca do equilíbrio entre lei e afetividade.
Foram particularmente trabalhosos a detecção e o manejo dos conflitos de ordem fratricida: choque de lideranças em meio a atuação de invejas, às vezes com requintes de crueldade, desqualificações intensas e competição desmedida, disputas baseadas mais do que tudo na vaidade. Pudemos perceber a formação de alianças e coalizões querelantes entre si, como clãs adversários em processo de autofagia.
Foram examinados os ritos de entrada, de passagem e de saída institucionais, assim como também foram discutidos os direitos e as regras e os mecanismos de acesso ao núcleo central da entidade. Estes reconhecimentos dos contornos da entidade, afloraram e trouxeram a tona os sentimentos de pertinência e/ou de exclusão subjacentes.
Os integrantes mostraram preocupação constante quanto aos problemas de inserção da entidade na comunidade e na sua vinculação com organismos nacionais internacionais. Isso parecia mais intenso em momentos de consciência geral da fragilidade institucional e acabava funcionando como a busca de reasseguramento do significado e da vocação da própria instituição.
O trabalho com as áreas sombrias nos níveis individual, dos clãs e coletivo, foi bastante extenuante e foi dissolvendo gradualmente a tensão reinante, o que se manifestou através da competitividade mais harmônica e assertiva, da flexibilização das personae individuais, na ampliação da postura empática, na maior tolerância com o outro etc.
Para que pudéssemos captar melhor o inconsciente da instituição, passamos a compreender as vozes individuais simultaneamente como veiculação de aspectos ou correntes da alma da entidade.
Demos também um tratamento simbólico às diferentes expressões das projeções, idealizações, resistências e configurações transferenciais emergentes e detectáveis no campo grupal.
Observamos vivências intensas nas irrupções emocionais, ab-reações, queixas, confrontos, ações agressivas e reparadoras de vários matizes, suportadas pelo grupo com grau variado de assimilação elaborativa.
Com relação aos fluxos e movimentos transferenciais perceptíveis entre determinados membros (em geral os mais velhos ou os fundadores) e inevitavelmente com os coordenadores, pudemos observar aquelas situações já conhecidas em setting terapêutico: ambigüidade, amor, gratidão, temor, inveja, ciúme, comiseração, agressão explícita, sutil etc.


Resultados

Pudemos observar que a intervenção institucional trouxe uma série de efeitos benéficos e salutares ao funcionamento do grupo e avanços significativos no processo de diferenciação da entidade.
Criou-se outro espaço para discussões de organização da entidade, algo que havia sido detectado como uma necessidade organizacional.
Os conflitos de tornaram mais abertos, claros e ao mesmo tempo mais assertivos e mais competentes, ganhando maior objetividade e menor subjetividade.
Foram observadas mudanças de atitude nos processos decisórios, a criação de atmosferas solidárias e integrativas, maior qualidade no enfrentamento de conflitos e capacidade reparadora dos participantes.

O próprio grupo avaliou e reconheceu o fortalecimento e maturidade institucional, demonstrado através da confiança em expor e olhar para as suas próprias feridas, suportando o impacto das projeções sombrias e anímicas, permitindo a possibilidade de confrontos lícitos e de reparações.


Conclusões

A partir deste trabalho experimental pudemos extrair algumas conclusões iniciais descritas abaixo.
Conseguimos verificar a hipótese da viabilidade de acessar a psique institucional através de uma intervenção junguiana em grupo com profundidade, reflexão, capacidade de insights e capacidade de elaboração.
Foi possível reconhecer a competência e eficiência da abordagem clínica junguiana à alma institucional através dos processos grupais.
Um dos fatores colaborativos foi a valorização do “olhar estrangeiro” como constelador e garantidor da estabilidade e continuidade dos processos de abertura e elaboração.

Verificamos a importância da coordenação conjunta do processo, que se mostrou útil pela intersubjetividade na compreensão dos fenômenos da psique grupal, bem como na facilitação e condução do trabalho.

Ficou evidente a importância da atitude junguiana como fator apriorístico
fundamental no enfrentamento de uma nova experiência profissional.
As polaridades psicológicas tiveram a sua plena expressão na atividade grupal. A polaridade criatividade - destruição esteve sempre presente e foi decisiva para a criação e consolidação da psique institucional.

O nosso trabalho parece ter criado as condições para enfrentamento das crises de morte institucional proporcionando os recursos para o renascimento e a reconstrução institucional.

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Referências Bibliográficas
- JUNG, C.G. - Sobre o Renascimento. (1939) In: JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Obras completas de C. G. Jung. Vol. IX/1. Tradução: Maria Luíza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva. Petrópolis: Vozes, 2000a. § 225 a 228.
- HOUAISS A. – Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa – versão 1.0,
2001, Editora Objetiva Ltda.
- MENDES, A. – A Psicologia Analítica e o emprego do termo grupo – disponível em . Acesso em 12.maio.2006
- TORRINHA, F – Dicionário Latino Português – 1942 – Gráficos Reunidos Ltda. Porto (Portugal)
*originalmente apresentado como pôster no XIII Simpósio Internacional de Psicologia Analítica em novembro de 2005 em Canela (RS)

acaci.alcantara@uol.com.br
bragarnich@uol.com.br

TRES E UM QUARTO

para A.A.


_ Que barulho foi esse?

_ Não sei... _ responde Luca desinteressado.

_ Vá ver! _ ordena Cauê.

_ Vá você, ora bolas! Não vê que eu estou colando figurinha?

(O que custa ele ir? Eu estou sempre fazendo coisas que ele manda!) _ Luca está envolvido com os cromos.

Vencido pela curiosidade, Cauê não tem outro remédio a não ser ir ele mesmo, não sem dar, de passagem, um empurrão no menor que sorri satisfeito por não ter cedido desta vez.

_ Nossa mãe! Caramba! _ exclama ao chegar à janela.

O irmão se interessa, mas está entretido; fica dividido entre as figurinhas e a novidade. Decide-se e corre para onde está Cauê.

_ Está vendo, Luca?

_ Puxa vida! Que confusão! _ comenta o menor.

_ Zezé! Venha ver! _ chama Cauê

Zezé brinca de casinha e escova os cabelos da sua boneca.

_ Que foi, Cauê? _ responde sem parar de brincar.

_ Vem logo! Você está perdendo!

_ Tá bom, estou indo, estou indo... _ Zezé vai preguiçosamente com a boneca debaixo do braço.

Em poucos instantes os três irmãos estão dependurados na janela de frente do sobrado.

Lá fora a tarde está manchada de cinza, com cara de chuva. No meio da rua, há um amontoado de gente grande comprimida, conversando, gesticulando.

Aconteceu alguma coisa.

(Não consigo ver nada! Quem será?) _ Cauê busca uma melhor posição para observar.

O trânsito está parado. Buzinas soam em desarmonia.

_ Caramba! Quanta gente! Que foi?

_ Sei lá, Luca. Não dá pra saber. Pode ser que alguém foi atropelado, caiu..., se machucou...

_ Machucou? _ pergunta Zezé sem esperar resposta. Dirige-se à sua filhinha que dorme em seus braços, olha para o seu rostinho e diz: _ Às vezes a gente pode tropeçar, bater a cabeça... Não é, Suzy? Mamãe cuida de você, viu? Não vai deixar você cair na rua, não! _ faz carinho na cabeça da boneca amorosamente.

_ Não é nada disso, Zezé. Aconteceu alguma coisa... _ Cauê presta atenção; os seus olhos buscam abrir espaço entre as pessoas para ver quem está no chão.

O burburinho continua.

Uma sirene vem aumentando o volume cada vez mais. O som fica estridente.

_ Está chegando a polícia! _ Luca está impressionado; balança os braços no peitoril da janela; está agitado.

(Agora sim, agora sim!) _Cauê suspira animado.

A aglomeração humana tem a forma de um bicho volumoso, desengonçado, que se mexe lento e ondulante. Ele oferece resistência aos guardas, não querendo sair dali, devorando a situação. Os policiais vão abrindo caminho, rompendo o cerco: _ Para trás, para trás...

As crianças observam a movimentação. Cauê, Luca e Zezé não tiram os olhos da rua.

Expectativa.

O burburinho cessa aos poucos e o silêncio, até então escondido, cresce.

Os dois guardas estão abaixados, examinando. Falam uma coisa entre eles.

A expectativa cresce.

Quando se levantam, as crianças já podem ver.

Cauê instintivamente vira o rosto como se tivesse levado um tapa.

Luca fica imóvel: o olhar fixo, a boca aberta. Em sua mão, a figurinha está esmagada.

Zezé abraça a boneca com força. Sai dali lentamente em direção ao fundo do quarto; põe Suzy na cama com a cabeça enfiada no travesseiro e faz com que chore baixinho.

Enquanto isso, Luca permanece estupefato. _ Não acredito nisso, Cauê. Hoje mesmo eu vi, eu vi... De manhã, estava ali na frente do estacionamento. Agora acontece isso... Minha nossa! _ sua cabeça vai pendendo, pesada.

(Que droga!) _ Cauê chuta a almofada jogada no chão voltando para dentro do quarto bagunçado.

Aos poucos, todos voltam aos seus lugares: Cauê joga play station, Luca tenta desamassar a figurinha com a mão e Zezé...

Bem, Zezé está alheia a tudo isso... Penteia os cabelos loiros da filhinha.

As crianças estão tristes e silenciosas.

Zezé desenha uma lagrima perdida no rosto da sua boneca. Depois limpa com o dorso da mão.

O relógio marca três e um quarto.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Alguém tem algo a declarar?

Dr Agenor ajeita-se na cabeceira da mesa. Terno cinza com gravata em tom parecido. Um pouco amassado. Maleta no chão junto ao pé da mesa. Documentos timbrados em suas mãos.
Pigarreia. Senhores, senhores... Por favor. Um minuto... Ruídos vocais. Um minutinho... Silêncio Ótimo. Bem, como todos sabem estamos aqui reunidos para lermos o testamento do Dr. Felipe Barreto que recentemente nos deixou. Colando seus óculos de leitura nos olhos, o velho advogado da família percorre seus olhos num documento e com sua mão esquerda coça a perna esbranquiçada. Ah sim, aqui está. O testamento cerrado foi firmado em doze de dezembro de 2006. Depois vocês podem checar as assinaturas das testemunhas e do Dr. Felipe. Está lacrado; ficou no meu cofre desde 2007.

Beth, viúva bem rejuvenescida, com lenço nas mãos, vestido comprido negro, filhas desoladas, garoto pequeno no chão brincando fora da densa atmosfera de velório. Tio Paulo, amigo e padrinho de Pietro, prima Verônica e Jussara ouvindo da porta. Limpa suas mãos no pano de prato e presta atenção no advogado que rasga a ponta de um envelope amarelado que contem o tal testamento. Coisa de rico!

Bem, aqui está, vamos ver.
Peço silencio pois vou ler o testamento.

Eu, Felipe Barreto, RG numero tal,CPF número tal – não precisa ler tantos detalhes, não é? - gozando de plena capacidade física e mental com minha livre e espontânea vontade e dentro dos limites que este instrumento me outorga, faço conhecer o meu desejo de destinação de meus bens que a lei me assegura.

À minha querida companheira Elizabeth Felix Barreto, deixo a nossa casa, meu carro Mercedes negro, blindado, R$ 350.000,00 e mais rendimentos anuais das ações em carteira na Corretora Bueno & Filhos. Após 5 anos de minha morte, essas ações já estarão liberadas para venda em pregão e cujo valor líquido extraído seja dividido 50% para a viúva e outros 50% em partes iguais para meus 3 filhos. Nomeio desde já tutor para este fim e outros cabíveis para o meu filho mais novo, o meu digníssimo advogado e procurador Dr. Agenor, que neste momento lê este documento.

O imóvel rural denominado Fazenda Bosque dos Barreto, situado no município de Extrema (SP) em partes iguais para minha filha mais velha, Beatriz Felix Barreto e Maria Clara Felix Barreto. Também deixo R$ 250.000,00 em aplicações financeiras no Banco do Brasil, agencia tal e tal para cada uma delas para pagar seus cursos universitários.
Continuando... Ao meu caçula Pietro Felix Barreto, menor, deixo nossa casa de praia e R$ 320.000,00 para custeio de sua vida incluindo seus estudos universitários. Ao tutor por mim nomeado caberá monitor estes gastos. O dr. Agenor receberá mensalmente a quantia de 20 salários mínimos para pagamento de honorários extraído da massa financeira da viúva meeira e filhos.

Finalmente, deixo para o meu melhor amigo Josias Siqueira dos Anjos a srta. Marlene Tobias dos Santos, CPF e RG número tal e tal, minha amante durante 20 anos, que saberá desfruta-la tal como fiz ao longo deste tempo. À srta. Marlene destino jóias e valores sob custódia na mesma agência do Banco do Brasil, cuja senha encontra-se sob sigilo com o meu advogado. Lembro ao amigo Josias que a srta. Marlene não permite relações anais nem suporta atos sádicos e masoquistas.
Favor comunicar o sr. Josias e a srta. Marlene o teor deste desejo uma vez que, presumo, não estejam presentes neste momento.
Estas constituem a livre expressão da minha vontade e do meu desejo mais profundo. O documento foi lavrado em 12º cartório da capital no dia 12 de dezembro de 2006, tendo como testemunhas o sr. Ricardo Monteiro de Carvalho, dona Lívia Nunes Parente e o sr. Carlos Roberto Vargas y Lopez.
Silêncio longuíssimo.
Bem, parece que é isso. Dr. Agenor levanta os olhos para os presentes...
Alguém tem algo a declarar?