quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Exercício sobre construção de personagem

Jailsson do Nascimento.
Adulto, idade indeterminada.
Nordestino.
Morador de rua.
Catador de papel.



1º momento: tristeza

Jailsson está sentado no chão com as costas apoiadas na parede, curvado. Puxa desajeitadamente a foto 3 x 4 amassada do bolsinho da camisa amarrotada. Fica olhando detidamente para ela. Com a manga da outra mão limpa os ciscos grudados. Olha profundamente a fotografia. Suspira. Seus olhos se congestionam e vai esboçando cara de choro. Sente um aperto no meio do peito. As pálpebras tremem, as lágrimas escorrem pelos sulcos da face e o choro vai aumentando até se tornar convulso. Com os olhos encharcados, a sua visão fica embaçada e perde o foco. Nem precisa; não importa: Jailsson está mergulhado na imagem de Gilsimara que guarda dentro de si.


2º momento: delírio

Jailsson está com o olhar parado, vazio, distante Parece que pensa. Vai ficando com cara de desconfiado. Escuta uma voz. Apura o ouvido para escutar melhor. É de homem, tem certeza. Não sabe de onde ela vem. Fica procurando por todos os lados. Não acha nada. Desiste. A voz, no entanto, fala em seu ouvido. Incomodado olha para cima, andando em círculos. Pergunta:
- O que é que você quer?
Pausa.
- Não tô entendendo.
Pausa
- Quê? Hã?
Presta a atenção em alguma pergunta que lhe é formulada. Fica bravo e responde:
– Você está pensando o quê, cara? Vá se foder! Não estou mais com ela. Ela foi embora, me deixou...
A discussão prossegue num diálogo patético.
Mais adiante Jailsson pede silêncio:
- Psiu. – sinaliza com o indicador
- Espera aí um pouquinho; está passando... está indo...está vendo aquele avião que está passando? Psiu! Fica quieto, pô!
Após alguns segundos:
- Pronto. Você viu? Não te falei? Ela está lá, está indo embora, para lá longe. Não volta. Vê se não me enche mais o saco!
A conversa acabou e Jailsson vai se acalmando. Senta-se no chão lentamente com a cabeça baixa, silencioso. Os seus cotovelos apoiam-se nos joelhos dobrados e os braços caem pendidos para frente. Fumaça se aproxima e se acomoda encolhendo a cauda. Coloca o seu focinho sobre as patas dianteiras e fecha os olhos.


3º momento: sofrimento físico


Durmo encolhido com um cobertor que me cobre a cabeça. Zzzzzzzzzz
- Hum, hã... Que é que está acontecendo? Que dor desgraçada!
Jailsson está acordando, está confuso, sente muita dor.
- Está doendo a boca. Eu acho que estou todo inchado – vai apalpando o lado esquerdo de sua mandíbula.
Sente que a barba está rala e áspera, mas não se importa: a dor é infernal, está insuportável:
- Cacete! Que dor filha-da-puta! – pragueja.
Anda de um lado para o outro com a mão apertando o rosto, amaldiçoando:
- Que merda! Doem os ossos!
Não agüenta mais; chuta uma pedra com raiva.
A dor continua lancinante. Bate a cabeça na parede. Morde a mão em desespero. A mordida dói por pouco tempo, mas vai se desvanecendo e a dor na boca volta com todo ímpeto.
- Pelo amor de Deus! Senhor, me ajude!– implora e cai de joelhos.




4º momento: nostalgia

Sentado na calçada com o costado na roda da carrocinha, Jailsson ouve o ruído do Fumaça lambendo um velho osso. Enquanto isso gira em sua mão um fino talo verde de uma plantinha arrancada do ajardinado mal cuidado da praça. Seus olhos estão lânguidos e parecem menores plasmados do prazer de lembranças felizes de sua infância em Caruaru.
Jailsson não está mais ali; é o moleque que corre pelo quintal atrás das galinhas que fogem em disparada. Mais no canto perto do cajueiro, a malhada muge incomodada com a bagunça. E o garoto ri e gargalha até ficar sem fôlego
– Jailsson! Vem para a mesa, menino! – soa a voz de dona Maria.
– Não se esqueça de lavar as mãos – recomenda.
Jailsson vem maviosamente, devagarzinho, sorvendo o cheiro forte do feijão com carne seca que a mãe preparara. A tapioca está deliciosa. A boca se enche d’água. Dá para sentir o gostinho. Jailsson estala a língua. Às vezes o seu Jerônimo não almoçava junto com a família na cozinha devido aos negócios na cidade. Na roça o menino carpia e plantava. Sempre perto do pai. Ah! Vida boa! Suspira profundamente e isso o traz de volta ao chão. Faz cara feia.
Retorna para Caruaru. Vê o aro que ia tocando com um pau pela estrada, o jogo da finca com a molecada na terra mole depois da chuva. Brincar, jogar bola de capotão, fazer um gol. Sentir o prazer de viver.
Era tudo bom, tudo feliz. - reflete Jailsson com saudades. Eta tempo bom! Tempo que não volta mais. A gente vem para a cidade grande iludido, imaginoso. Acha que vai voltar um dia importante e com dinheiro no bolso. Qual nada! Aqui não é assim não: é vida dura, vida madrasta.

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