quinta-feira, 25 de novembro de 2010

TRES E UM QUARTO

para A.A.


_ Que barulho foi esse?

_ Não sei... _ responde Luca desinteressado.

_ Vá ver! _ ordena Cauê.

_ Vá você, ora bolas! Não vê que eu estou colando figurinha?

(O que custa ele ir? Eu estou sempre fazendo coisas que ele manda!) _ Luca está envolvido com os cromos.

Vencido pela curiosidade, Cauê não tem outro remédio a não ser ir ele mesmo, não sem dar, de passagem, um empurrão no menor que sorri satisfeito por não ter cedido desta vez.

_ Nossa mãe! Caramba! _ exclama ao chegar à janela.

O irmão se interessa, mas está entretido; fica dividido entre as figurinhas e a novidade. Decide-se e corre para onde está Cauê.

_ Está vendo, Luca?

_ Puxa vida! Que confusão! _ comenta o menor.

_ Zezé! Venha ver! _ chama Cauê

Zezé brinca de casinha e escova os cabelos da sua boneca.

_ Que foi, Cauê? _ responde sem parar de brincar.

_ Vem logo! Você está perdendo!

_ Tá bom, estou indo, estou indo... _ Zezé vai preguiçosamente com a boneca debaixo do braço.

Em poucos instantes os três irmãos estão dependurados na janela de frente do sobrado.

Lá fora a tarde está manchada de cinza, com cara de chuva. No meio da rua, há um amontoado de gente grande comprimida, conversando, gesticulando.

Aconteceu alguma coisa.

(Não consigo ver nada! Quem será?) _ Cauê busca uma melhor posição para observar.

O trânsito está parado. Buzinas soam em desarmonia.

_ Caramba! Quanta gente! Que foi?

_ Sei lá, Luca. Não dá pra saber. Pode ser que alguém foi atropelado, caiu..., se machucou...

_ Machucou? _ pergunta Zezé sem esperar resposta. Dirige-se à sua filhinha que dorme em seus braços, olha para o seu rostinho e diz: _ Às vezes a gente pode tropeçar, bater a cabeça... Não é, Suzy? Mamãe cuida de você, viu? Não vai deixar você cair na rua, não! _ faz carinho na cabeça da boneca amorosamente.

_ Não é nada disso, Zezé. Aconteceu alguma coisa... _ Cauê presta atenção; os seus olhos buscam abrir espaço entre as pessoas para ver quem está no chão.

O burburinho continua.

Uma sirene vem aumentando o volume cada vez mais. O som fica estridente.

_ Está chegando a polícia! _ Luca está impressionado; balança os braços no peitoril da janela; está agitado.

(Agora sim, agora sim!) _Cauê suspira animado.

A aglomeração humana tem a forma de um bicho volumoso, desengonçado, que se mexe lento e ondulante. Ele oferece resistência aos guardas, não querendo sair dali, devorando a situação. Os policiais vão abrindo caminho, rompendo o cerco: _ Para trás, para trás...

As crianças observam a movimentação. Cauê, Luca e Zezé não tiram os olhos da rua.

Expectativa.

O burburinho cessa aos poucos e o silêncio, até então escondido, cresce.

Os dois guardas estão abaixados, examinando. Falam uma coisa entre eles.

A expectativa cresce.

Quando se levantam, as crianças já podem ver.

Cauê instintivamente vira o rosto como se tivesse levado um tapa.

Luca fica imóvel: o olhar fixo, a boca aberta. Em sua mão, a figurinha está esmagada.

Zezé abraça a boneca com força. Sai dali lentamente em direção ao fundo do quarto; põe Suzy na cama com a cabeça enfiada no travesseiro e faz com que chore baixinho.

Enquanto isso, Luca permanece estupefato. _ Não acredito nisso, Cauê. Hoje mesmo eu vi, eu vi... De manhã, estava ali na frente do estacionamento. Agora acontece isso... Minha nossa! _ sua cabeça vai pendendo, pesada.

(Que droga!) _ Cauê chuta a almofada jogada no chão voltando para dentro do quarto bagunçado.

Aos poucos, todos voltam aos seus lugares: Cauê joga play station, Luca tenta desamassar a figurinha com a mão e Zezé...

Bem, Zezé está alheia a tudo isso... Penteia os cabelos loiros da filhinha.

As crianças estão tristes e silenciosas.

Zezé desenha uma lagrima perdida no rosto da sua boneca. Depois limpa com o dorso da mão.

O relógio marca três e um quarto.

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